Sete euros
O tedio fez-me ler a "Única"*. A paginas tantas (tantas!) encontrei uma cronica curiosa. Nela, a cronista explica que comprou uma camisola "verde, com bolinhas, fitinhas de seda para os cabides, bem acabada, bem cosida" pelo preco ridiculamente barato de sete euros e qualquer coisa. Depois discorre sobre como esse preco so pode ser conseguido a custa de mao de obra escrava, explorada em paises pobres. Da-nos tambem a entender que e' por isso que esses paises sao pobres e refere que quando se tenta dignificar o trabalho dessas pessoas, pagando-lhes melhor, o resultado e' um produto mais caro, que depois nao se consegue vender. Nao remata dizendo que vai deixar de fomentar a exploracao de mao de obra escrava, abstendo-se de comprar a esses precos.
E' uma visao simplificada da realidade, infelizmente partilhada por muitos. Nao me parece que corresponda ao que realmente se passa. A primeira coisa de que discordo e' que sete euros seja um preco ridiculamente barato para uma camisola. A nosso mentalidade colectiva de novos-ricos pode dizer-nos isso, mas na minha cartilha sete euros e' muito dinheiro. Acho mesmo que deve chegar perfeitamente para comprar uma camisola verde com bolinhas. E se em Portugal isso ainda pode ser discutivel, Eu pregunto que valor tem esses sete euros tem num pais como a Indonesia, por exemplo. Nao e' pouco dinheiro.
A segunda (e principal) falacia e' a da mao de obra escrava. O raciocinio e' simples: para conseguir artigos quase de borla, so com mao de obra escrava. E' dificil perceber (a mim tambem me custa) que alguem aceite voluntariamente trabalhar demasiadas horas, em pessimas condicoes, com uma miseria de salario. Mas se a alternativa for ainda pior que isso, como por exemplo uma vida durissima no campo, sem conseguir ultrapassar o limiar da subsistencia, talvez seja possivel comecr a ter uma ideia. Era bom que aquelas criancas fossem a escola em vez de fabricarem camisolas, mas nao e' disso que abdicam quando vao trabalhar para a fabrica.
Finalmente, a conclusao do costume. Se comprarmos e esses precos tao baixos, necessariamente estamos a fomentar a continuacao desse tipo de situacao nos "paises pobres". Convem nao esquecer que ja fomos um desses paises, nomeadamente na producao textil e de calcado. Em certa medida ainda o somos (embora nao o queiramos admitir). As industrias do Vale do Ave, cujo encerramento tanto lamentamos, nao sao assim tao diferentes dessas a que apontamos o dedo na Indonesia ou na China. Ca sao geradoras de riqueza e devem ser protegidas. La sao exploradoras de mao de obra escrava e devem ser fechadas. Ambas pagam mal as mulheres e riancas que la trabalham. A diferenca deve estar nos olhos em bico...
*Fez-me tambem escrever este texto num teclado sem acentos.

1 comentário:
E, divagando em mais umas linhas de texto, o que acontece aos 'escravos' se nem a dois euros (um possível custo para que o preço de venda em Portugal seja de 7 euros) venderem as camisolas?!?... Serão despedidos? Voltarão para o trabalho rural, para a subsistência? Também gostava de compreender as consequências do 'não comprar'!...
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